Há vinte anos, em 13 de julho de 1992, às 19h00, Urânia abriu
os braços para acolher um de seus mais diletos filhos: Dr. Luiz Eduardo da
Silva Machado, nascido no Rio de Janeiro em 11 de outubro de 1927. Sentiu-se
mal em plena sala de aula sendo levado às pressas para o hospital, vítima de um
derrame cerebral. Passados 20 anos, sua ausência deixa uma grande lacuna em
todos nós que o admirávamos como colega, amigo e profissional competente. Sua
presença sempre jovial e alegre, permanece como um traço marcante de sua personalidade.
É toda uma geração que pouco a pouco se dilui na marcha irreversível do tempo.
Machado estampava um dinamismo invejável e só mesmo uma fatalidade poderia
interromper sua vida material. Da Terra para o céu, seu nome está imortalizado
no asteroide 2.543 descoberto no Observatório Europeu Austral no Chile em
1º/06/1980 pelo astrônomo belga H. Debehogne.
C A R R E I R A
Machado bacharelou-se em física pela Faculdade de Filosofia
da UFRJ (ex. U.B.) em 1948 e 1949. Astrônomo do Observatório Nacional do Rio de
Janeiro, deixou essa Instituição em 1961 para criar na UFRJ o primeiro curso de
formação de astrônomo no Brasil. Doutorou-se em 1970 pelo Instituto de Ciências
da UFRJ. Em 1978 defendeu tese para o concurso de professor titular, cargo que
ocupou até seu falecimento. Foi diretor do Observatório do Valongo – UFRJ, de
1967 a 1986. Escreveu: “Das Ocultações Rasantes de Estrelas pela Lua” (1969) e
“Ao Encontro do Cometa Halley” (1985).
C O N T R I B U I Ç Õ E
S
Machado foi o grande artífice na
reforma do Observatório do Valongo-UFRJ. Isto exigiu um esforço gigantesco,
pois o Observatório se encontrava abandonado há décadas, em péssimo estado de
conservação.
O Valongo foi fundado em 5 de julho de 1881
como Observatório Astronômico da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Posteriormente passou a órgão suplementar do Centro de Ciências Matemáticas e
da Natureza da UFRJ. Junto a devotados
colegas como Sergio Menge de Freitas, Edgar Rangel Neto, Luiz Augusto, Paulo
Manzo, José Felipe Caldeira, José Augusto B. de Nazareth, José Adopho Snajdauf,
Fernando Vieira e Rundsthen V. de Nader, reergueu o Observatório, modernizou-o
e obteve o reconhecimento para a implantação na UFRJ, do primeiro curso de Astronomia
no Brasil a nível de Pós-Graduação. Graças as atividades educacionais e de
pesquisa do Valongo, é agraciado durante o Governo Militar com valioso
instrumental da firma alemã Carl Zeiss Jena. Entre outros cumpre destacar o
Astrógrafo 400/2000 mm (o maior do País), dois Telescópios ‘cassegrain’ de 500
e 600 mm de abertura, um Celostato, um Telescópio ‘cassegrain’ de menisco com
150 mm de abertura, um Coordenatógrafo, um Astro-Espectrógrafo de Rede, um
Microdensitômetro e um Telescópio Refrator Coudé de 150 mm .
O G R A N D E P R O J E T O
Infelizmente o grande projeto para instalar esses
equipamentos em um observatório de montanha não pode ser concretizado e a saída
foi estabelecer um convênio com a Prefeitura Municipal de Campinas, SP, a
Unicamp , a PUCC, e a Sociedade Civil Observatório do Capricórnio com a
interveniência do CEDATE-MEC, para instalação do Astrógrafo,
do ‘cassegrain’ de 500 mm e do
“meniscas’ de 150 mm no Observatório Municipal de Campinas a 1100 metros de
altitude. A Prefeitura de Campinas assumiu a construção de três prédios para
abrigar esses instrumentos. Infelizmente
por falta de recursos financeiros ,
o refletor ‘cassegrain’ de 600 mm acabou sendo transferido para o
Laboratório Nacional de Astronomia, LNA, em Brasópolis,MG. A partir de 1985 e enquanto perdurou o
convênio, pesquisadores e alunos do Valongo puderam encetar trabalhos na área
de asteroides, cometas e obtenção de espectrogramas da várias estrelas. Uma
outra atividade que merece destaque foi
o de ocultações rasantes de estrelas pela Lua. Várias expedições foram realizadas
em território nacional. Machado era um grande entusiasta desta área e isto pude
verificar pessoalmente quando participei
de uma dessas expedições na cidade mineira de Santos Dumont. Cumpre destacar a
sua indicação para fazer parte da Comissão 20 reunida na 19ª Assembléia Geral
da IAU, em Nova Dehli, India, a qual Machado infelizmente, por falta de suporte financeiro do Governo, não pode comparecer.
O C I D A D Ã O
Conheci o prof. Machado desde os primeiros anos do Valongo.
Muito do que aprendi devo a ele. Aliás, essa era uma característica de sua
personalidade: valorizar o trabalho dos astrônomos amadores. Era às vezes
criticado por assumir essa postura, coisa que jamais se importou. Flammarion
era um de seus mestres e isto dizia por si. Conhecia como poucos a vida e obra
do ‘Mestre de Juvisy’ como também do Pai da Aviação, Alberto Santos Dumont.
Estivemos juntos em vários congressos a partir daquele memorável da LIADA em
janeiro de 1967 em Natal, RGN. A última vez que nos vimos foi em janeiro de 1991
em Fortaleza, Ceará, no IIº Encontro Nacional de Astronomia, ENAST. Como de um
modo geral, a música é sempre parte da vida do astrônomo, Machado não fugia à
regra. Nossas conversas sempre giravam sobre o assunto e para ele a música
assumia um caráter especial. Sua dedicada esposa, professora Maria Célia
Machado, é uma virtuose da harpa, com invejável currículo, atuação na Orquestra
do Teatro Municipal de Rio de Janeiro além de professora no Conservatório de
Música desta cidade. Sua filha esteve casada com o consagrado tenor Nelson
Portela. Por duas vezes fui seu
convidado para assistir duas óperas no Rio : ‘Tristão e Isolda’ de R. Wagner e
‘Don Giovanni’ de W. A. Mozart, esta última com participação do Nelson Portela.
Sua ausência deixa, pois, uma grande lacuna em todos nós, colegas e amigos. Se
teve defeitos (quem não os tem?) suas virtudes e obras as superam em muito. Ao
completar 20 anos do seu desenlace, nada mais justo que reverenciemos sua memória e a grande
contribuição prestada a ciência do céu.
O autor é astrônomo responsável pelos observatórios
municipais de Americana e Piracicaba, SP, e Membro Titular da Sociedade
Astronômica da França.
Astronomia Brasileira está de Luto, N.Travnik, julho 1992
Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica,
Ronaldo R. F. Mourão, Editora Nova Fronteira, 2ª edição
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